por Ignácio de Loyola Brandão
A primeira vez que a ouvi, ela tinha dois anos, em meados dos anos 1980, no Arraial do Cabo, na casa do avô Nelson, embalada por uma tia. As duas cantavam Carinhoso.
Depois, ouvia a mãe, Marcia, cantando com ela. A avó. Rita nasceu em uma família musical. Não descobriu a música por acaso. Ela veio sedimentando o caminho interiormente. Tinha doze anos e conhecia repertório como poucos adultos. Nas viagens, ela e a mãe cantavam. Cantam o tempo inteiro. As duas têm iPods com milhares de canções, podem viajar horas e horas sem repetir uma sequer.
As canções sempre estiveram entranhadas na pele, no intimo, fazem parte do corpo, assim como as células. A música para ela é vital, tão necessária quanto o coração, o pulmão, os rins. Sem a música ela não poderia viver. Não pode.
Perfeccionista, aprimora-se estuda, fez violão, fez canto lírico, exige-se, ensaia. Um dia foi fazer teatro para aprender a se posicionar no palco, saber se mover em cena, dominar o gestual, o corpo.
Para mim que convivo com ela diariamente, é difícil falar sem deixar transparecer emoção.
Racional, digo, seja racional.
O que admiro em Rita é a fixação que a leva a demorar meses buscando repertório, querendo capturar uma canção. Pesquisa extensa na qual ela usa todos os meios de que dispomos hoje. Todos os dias, eu a vejo baixando músicas, ouvindo, ouvindo, cantando, anotando, gravando, deletando, decidindo.
O que a move é a insatisfação, o perfeccionismo latente. Nunca satisfeita ou com a letra, ou com a melodia, ou com um acorde, às vezes com uma palavra.
Ela percorre insistentemente nossa história, de Noel Rosa a Lamartine Babo, de Braguinha a Ary Barroso, de Chico Buarque a Caetano, de Gil a Milton nascimento, com passagens por Lupiscinio, Assis Valente, Cartola, Pixinguinha, Vinicius, Tom, Sidney Magal, Raul Seixas ….
Sei que a criação é produto de uma farta loucura, de uma busca interminável, da satisfação nunca atingida.
É rejeitar o fácil, o clichê, o lugar comum, a concessão. É ter aguda a arte de discernir o que é bom, recusando muitas vezes o bom, à espera do melhor.
Muitas vezes, penso que é demais, que esta mulher pode travar. Não, ela faz isso com alegria.
Outras, quando ela surge na sala, sorridente e iluminada, vejo que ela acabou de descobrir.
E quando alguém em arte descobre, é porque encontrou uma raridade que está dentro dela e pode estar dentro de nós. Espero que Rita nunca se dê por satisfeita!